Das extremidades das linguagens ao extremo dos mundos: uma política da arte

Partindo de uma perspectiva ético-estética-poética, a investigação visa contribuir para a teoria da arte ao desenvolver uma abordagem crítica baseada na noção de extremidades.

Christine Mello

PUC-SP|PPGCOS / UERJ|PPGARTES

Agradecimentos especiais:

FAPERJ / UERJ / PPGARTES

Sheila Cabo Geraldo (Supervisão de Pós doc)

Luiz Cláudio da Costa (interlocução e diálogo crítico)

A presente fase do estudo (agosto/2024) busca ir ao encontro da arquitetura conceitual da investigação, que consiste em interconectar suas linhas argumentativas principais e secundárias.

O presente estudo tem como objetivo produzir uma reflexão sobre a Abordagem das extremidades em suas relações com a arte contemporânea e as linguagens midiáticas, em seus confrontos e agenciamentos com um mundo em crise planetária, em tempos extremos.

Sob a forma de orientação e diálogo crítico com Luiz Cláudio da Costa, o tema “das extremidades das linguagens ao extremo dos mundos: uma política da arte” introduz um novo recorte conceitual neste instrumental de análise que venho desenvolvendo desde 2004.

Passados vinte anos, a Abordagem das extremidades tem, na atualidade, como objetivo principal produzir aproximações em torno dos regimes ético-estético-poéticos das experiências das extremidades diante das intersecções de práticas artísticas, midiáticas e políticas com a vida.

A partir de tal exercício conceitual, posiciona como principal desafio pensar as extremidades como uma situação própria da vida.

Possibilidade esta que diz respeito a vivermos no instável, no inconstante, nas crises e polarizações, na plataformização do capitalismo, nos sistemas algorítmicos, nos agenciamentos humanos e não-humanos, nos neofascismos, nos deslocamentos e tensionamentos extremos em que a experiência vital se movimenta na atualidade, que exigem quebras de paradigmas e ressignificações.

Nesse contexto, a investigação busca reflexões que façam frente às formas vigentes da experimentação artística e midiática tendo como problematizações a violência colonial, a discriminação racial, de gênero e sexo assim como os limites estruturais tecnológicos e os impactos do Antropoceno, que se opõem à diversidade no sistema-mundo contemporâneo.

Este é o caso do trabalho Odiolândia (2017) da artista, curadora e pesquisadora  Giselle Beiguelman [1962], que toma o episódio das ações da Prefeitura de São Paulo na Cracolândia. Sob a forma de “terra do crack”, é composta, na sua maioria, por dependentes químicos e traficantes em situação de rua. Desde o início dos anos 2000, uma série de políticas públicas vem se implantando, na maior parte das vezes, de forma higienista. Entre elas, o programa social Redenção, criado na gestão do antigo prefeito João Dória, no ano de 2017, que contou com violenta intervenção policial.

Sequência de imagens que apresentam as ações policiais e políticas na região da Cracolândia na Capital do Estado de São Paulo em 2017. (Fonte: 1. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40115560; 2. https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1939481-reducao-de-danos-e-abstinencia-devem-integrar-programa-anticrack-de-doria.shtml; 3. https://exame.com/brasil/apos-operacao-na-cracolandia-vizinhanca-teme-volta-de-usuarios/)

Em Odiolândia, Giselle Beiguelman desloca as “experiências das extremidades” (MELLO, 2017, p. 22-34) como próprias às ações limítrofes entre linguagens em suas articulações com as redes audiovisuais, o cinema, a performance e a arte contemporânea para os atravessamentos do real “nos processos de produção de corpo, pensamento, arte e linguagens emergentes” (MELLO, 2023, p. 27) em situações limítrofes da vida.

Diante dos procedimentos operatórios ético-estético-poéticos da desconstrução, contaminação e compartilhamento, tal tipo de política da arte convoca o deslocamento do campo de observação em direção às extremidades. Tem, para tanto, o objetivo de falar com o mundo em seus estados limítrofes, propiciando, com isso, simultaneamente, presença sensível do mundo, experiência de mundo e crítica aos extremos dos mundos que habitamos na contemporaneidade.

Nesse contexto, implica posicionar a obra de um outro lugar. A leitura da obra Odiolândia, de Giselle Beiguelman, implica, portanto, observar a prática artística por meio do pensamento das extremidades, nos deslocamentos e tensionamentos existentes entre a esfera das linguagens em seus estados limítrofes e o extremo dos mundos, tendo como pressuposto analisar as ressignificações que produzem sob a forma de uma política da arte.

Das extremidades das linguagens ao extremo dos mundos: 

uma política da arte

ABORDAGEM DAS EXTREMIDADES E O CAMPO DE OBSERVAÇÃO: EXTREMIDADES, LINGUAGENS, MUNDOS

O MOVIMENTO DE DESLOCAMENTO – TENSIONAMENTO – RESSIGNIFICAÇÃO DO CAMPO DE OBSERVAÇÃO: DESCONSTRUÇÃO, CONTAMINAÇÃO, COMPARTILHAMENTO

I   – Extremidades

        Abordagem das extremidades

        Extremidades das linguagens

II  – Por outras imagens de mundo

       Regime ético-estético das extremidades

       Extremo dos mundos

III – Experimentação nas extremidades

        Regime poético das extremidades

        Uma política da arte

Das extremidades das linguagens ao extremo dos mundos:     

uma política da arte

I   – Extremidades

        Abordagem das extremidades

        Extremidades das linguagens

Trata-se de um “processo de leitura”, um “jogo de leitura” ou um “caminho de leitura” em direção à compreensão simultânea das ações limítrofes entre “linguagens e mundos”, realidades em conflito, em tensionamento, situadas a partir da noção de extremidades (Mello, 2017; Mello, 2023); de “constituir instrumentais de análise para trabalhos que transitam entre arte, práticas midiáticas e experiência contemporânea, interconectados entre múltiplas plataformas, comunidades e linguagens” (Mello, 2017, p. 13).

O pensamento das extremidades articulado nesta abordagem relaciona campos não oponentes, mas complementares. É utilizado como atitude de deslocamento do campo observacional. Diz respeito a pensar a partir de um lugar descentralizado, tensionado, como zonas-limite, interconectadas em diversas práticas da atualidade.

O termo “extremidade” utilizado para a criação desse conceito operacional é derivado da medicina milenar chinesa e de seus métodos terapêuticos, como a acupuntura, a reflexologia e o Do-In. Na perspectiva oriental, “as extremidades do corpo possuem a habilidade de nos colocar em contato e nos fazer apreender simultaneamente os órgãos do corpo de forma descentralizada e interligada” (Mello, 2017, p. 14). Acionam, portanto, uma rede de relações na análise de processos interconectados em um mesmo organismo.

De modo mais específico, nesse tipo de abordagem são articulados os procedimentos da desconstrução, contaminação e compartilhamento como “vetores de leitura, ou pontas extremas, presentes nos trabalhos em análise, que possuem a capacidade de ativar processos de subjetivação e ressignificar linguagens” (Mello, 2017, p. 13).

Com tais procedimentos, a noção de extremidades é embasada em direção aos modos como se constituem os processos de experimentação e se elaboram os planos de materialidade, sendo possível, com eles, tomar contato, de forma mais direta, com os pontos de tensão e as situações conflituosas diante dos regimes de sentido, presença e coletividade das formas, relações e imagens.

Das extremidades das linguagens ao extremo dos mundos:     

uma política da arte

II  – Por outras imagens de mundo

       Regime ético-estético das extremidades

       Extremo dos mundos

Nos estudos vigentes da abordagem das extremidades, é possível encontrar, portanto, articulações relacionadas à “potência viva dos atravessamentos do mundo” (Mello, 2023, p. 29) com a noção de “extremo dos mundos” com a qual opera hoje em dia esse recorte analítico.

Para além de buscar contribuir para o debate sobre o estado da teoria da arte relacionado às intersecções entre arte e práticas midiáticas numa sociedade algorítmica, passei a adotar o entendimento de que no contexto atual, marcado pela profunda crise do capitalismo global, pelo racismo estrutural, pelo ódio, pela violência de gênero, pela crise ambiental e o Antropoceno, o signo das extremidades se faz presente no cotidiano concreto, não podendo ser considerado, portanto, um estado de exceção. Com isso, amplio o campo da Abordagem para problemas contínuos da esfera pública relacionados ao extremo dos mundos, à decomposição e incerteza, apontando, com isso, não apenas a necessidade de reconfigurações e mudanças políticas no século XXI como também a ressignificação de condições de vida e de linguagens.

Das extremidades das linguagens ao extremo dos mundos:     

uma política da arte

III – Experimentação nas extremidades

        Regime poético das extremidades

        Uma política da arte

Das extremidades das linguagens, partindo de um jogo de leitura aberto ao indeterminado, permeado por gestos descentralizados, a abordagem das extremidades diz respeito a oferecer procedimentos de análise, como os da desconstrução, contaminação e compartilhamento, que buscam constituir tensionamentos no campo observacional, contrários às forças hegemônicas e, em seu estado atual de ampliação, revelar dimensões heteróclitas e plurais diante de práticas artísticas e midiáticas naquilo que é possível considerar como próprio ao extremo dos mundos.

Com esse deslocamento metodológico do campo observacional, a presente abordagem convoca as atenções do leitor ao que é próprio à “experimentação nas extremidades”, em seus confrontos e agenciamentos com um mundo em crise planetária, em tempos extremos.

A temática da experimentação material é aqui observada tomando como princípio os procedimentos da desconstrução, contaminação e compartilhamento.

Nessa direção, é importante observar tais procedimentos de experimentação nas extremidades como um tipo de ação ético-estética-poética descentralizada em que a potência das linguagens e mundos tem lugar a partir da ampliação das formas de contato entre realidades diferentes.

Com a Abordagem das extremidades, em torno às problematizações das extremidades das linguagens ao extremo dos mundos, é possível observar que as práticas artísticas e midiáticas possuem o poder de afetar, desconstruir, contaminar e compartilhar irreversivelmente as linguagens e mundos em diálogo, gerando, com isso, não apenas diversidade de potencialidades poéticas mas também uma política da arte.