Semana de Abertura PPGARTES UERJ | agosto 2022 | DEBATE | Christine Mello – PUC-SP / PAPD – UERJ
A pesquisa Arte, imagens em rede e corpos políticos (2022-2023) aborda relações entre arte e sociedade a partir da perspectiva da imagem nas redes sociais, com enfoque nas políticas dos corpos e nas comunidades por elas agenciadas.
Nesse contexto, observamos no presente debate Arte, mídia e política: o autoritarismo em questão as proposições artísticas Odiolândia (2017) e Botannica Tirannica (2022), de Giselle Beiguelman (São Paulo, 1962) a partir das noções de globalitarismo do geógrafo crítico Milton Santos (Brotas de Macaúbas, Bahia, 1926-2001), de discurso de ódio do cientista social Luiz Valério Trindade e de peste fascista, assim denominada pela psicanalista, curadora e crítica de arte Suely Rolnik (São Paulo, 1948), que não pode ser separada do racismo estrutural e dos regimes do inconsciente colonial-patriarcal agenciados nas redes sociais.
Odiolândia (2017)
Botannica Tirannica (2022)
Se o globalitarismo sob a forma do capitalismo de vigilância (dada-dados, Big Data) e suas imagens em rede implementam o regime de visualidade algorítmica ao mesmo tempo que atuam fora da ética, produzindo fenômenos como os discursos de ódio tão próprios às redes sociais, observamos de que modo a arte nestes contextos responde sob a forma de uma posição ética, diante do que é mais vulnerável e traumático, como o racismo, a xenofobia, as desigualdades sociais e a discriminação de gênero.
Nos trabalhos de Giselle Beiguelman, a arte, em suas relações com a análise crítica do discurso relacionado à xenofobia, ao racismo e à intolerância nas plataformas midiáticas e redes sociais, atua como um agente ativo capaz de ressignificar o sentido eco-político, como a força vital que anima o corpo e faz vibrar. Como Suely Rolnik nos diz, pelo afeto, traz a perspectiva ética, tensiona a presença vital, “a presença viva do outro em mim”, em que o outro não se encontra fora do meu corpo, mas é uma presença vital em meu corpo. A arte, busca, nesse contexto, desconstruir o aparato de controle, ferramenta central do autoritarismo.
Nessa direção, Rolnik sustenta que o fascismo em suas forças reativas pode ser compreendido como a despotencialização vital da presença do outro em mim. Como uma “fábrica de mundo” (S.Rolnik, 2022) dedicada às forças reativas do fascismo, as plataformas online de sociabilidade supostamente dedicadas à “conexão”, de modo paradoxal, produzem justamente a “desconexão” entre os corpos e os afetos por meio da “normalpatia” (denominada tanto como doença da normalidade quanto normalização da barbárie) que lhes é própria.
Para Suely Rolnik, trata-se de aportes da peste fascista. Para ela, é quando a palavra, a linguagem, se dissocia da alma, como uma doença imanente ao regime colonial-racializante-patriarcal-capitalista.
Nos presentes trabalhos podemos observar embates da esfera micropolítica por meio da presença de práticas artísticas comprometidas com a reconexão dos corpos, como construção da diversidade, trazendo como princípio noções como pluralidade, dissidência, redes de afetos, contato e alteridade.
Para pensarmos o contexto das imagens em rede:
Milton Santos (Brotas de Macaúbas, Bahia, 1926-2001)
“Eu chamo a globalização de globalitarismo porque estamos vivendo uma nova fase de totalitarismo. O sistema político utiliza os sistemas técnicos contemporâneos para produzir a atual globalização, conduzindo-nos para formas de relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão, que exigem obediência imediata, sem a qual os atores são expulsos da cena ou permanecem dependentes, como se fossem escravos de novo. Escravos de uma lógica sem a qual o sistema econômico não funciona. Que outra vez, por isso mesmo, acaba sendo um sistema político.” (1999)
“É uma forma de totalitarismo muito forte, insidiosa, porque se baseia em ideias que aparecem como centrais à própria ideia de democracia – liberdade de opinião, de imprensa, tolerância – utilizadas exatamente para suprimir a possibilidade de conhecimento do que é o mundo, do que são os países, os lugares. Eu chamo isso de tirania da informação, que, associada à tirania do dinheiro, resulta no globalitarismo.” (1999)
SANTOS, Milton. Coleção Encontros (Rio de Janeiro: Azougue, 2007).
Para pensarmos o contexto do discurso de ódio:
Luiz Valério Trindade
“Discurso de ódio se caracteriza pelas manifestações de pensamentos, valores e ideologias que visam inferiorizar, desacreditar e humilhar uma pessoa ou um grupo social, em função de características como gênero, orientação sexual, filiação religiosa, raça, lugar de origem ou classe. Tais discursos podem ser manifestados verbalmente ou por escrito, como tem sido cada vez mais frequente nas plataformas de redes sociais. Sendo assim, é possível compreender que discursos de cunho racistas veiculados nas redes sociais (sejam eles de forma explícita e sem maquiagens, ou camuflados em piadas) se enquadram na categoria de discursos de ódio.”
“Um dos maiores problemas com relação ao fenômeno de construção e disseminação de discursos de ódio nas redes sociais é que, à medida que a sociedade passa a aceitá-los como algo normal e inevitável, perde-se completamente a capacidade de se indignar contra eles. E esse quadro, no meu entender, é muito preocupante e perturbador. Daí, então, a importância em compreender o fenômeno em toda a sua extensão, pois somente com conhecimento sério, qualificado e embasado, é que se desconstrói a engrenagem que o realimenta.”
“As redes sociais são como uma espécie de pelourinho moderno para a promoção de sessões de chicotadas virtuais, simbolicamente representadas por discursos racistas.”
TRINDADE, Luiz Valério. Discurso de ódio nas redes sociais (São Paulo: Jandaíra, 2022).
Para pensarmos o contexto das peste fascista:
Suely Rolnik (São Paulo, 1948)
“A tomada de poder globalitário pelo capitalismo, em sua versão corporativa financeirizada neoliberal, deflagrou um novo surto da peste fascista. A bactéria que causa esta doença é parte do microbioma do corpo social sob ao regime de inconsciente colonial-racializante-patriarcal-capitalista. A bactéria ativa-se quando a falta de oxigênio inerente ao ecossistema do regime em questão atinge limites insuportáveis. Deflagra-se então a peste, atingindo o desejo das massas e transformando os sujeitos num bando de zumbis, abduzidos pelo feitiço de relatos que distorcem a realidade. A sociedade brasileira é especialmente vulnerável à ativação desta bactéria, pelo fato deste país ser o único em que jamais foram desenvolvidos anticorpos sociais às suas variantes anteriores e tendo jamais sido punidos os responsáveis por sua ativação, desde sua cepa inicial: a cepa colonial-escravocrata. Porém, como em suas variantes anteriores, a bactéria não logra contaminar o conjunto do corpo social: surgem respostas que produzem anticorpos, logrando criar outros cenários.
ROLNIK, Suely. As Aranhas, os Guarani e alguns europeus. Outras notas para uma vida não cafetinada, São Paulo: N-1, 2022. (prelo)
Para avançarmos mais nesses estudos, espero contribuir para o presente debate com a seguinte abordagem:
Arte, mídia e política: por outras imagens do mundo nas redes sociais
assim como convidá-los a darmos continuidade a essa investigação por meio da disciplina que desenvolverei com a profa. Sheila Cabo, com início no próximo dia 9 de agosto, bem como do mini-curso que oferecerei nos dias 6 e 7 de outubro, ambos aqui, no PPGARTES UERJ.
muito obrigada!